domingo, 19 de agosto de 2012

VISÃO ACADEMICA SOBRE REZADEIRAS


A rezadeira Maria, aos 97 anos de idade, apesar de inicialmente ter se demonstrado um
pouco “tímida” em assumir sua relação com os cultos afro-brasileiros, em um dado momento da
entrevista deixou “escapar” o seguinte depoimento:


Hora mais e muito, várias vez (fazendo menção a participação no Candomblé).
Fazia presépio com um monte de santo. Acendia três fogueira no ano. Eu dava
caruru de Cosme e Damião, eu recebia o santo, mas hoje parê tudo, parê tudo! Já
esqueci tudo, esqueci a metade. O juízo não ta dano mais pra isso, não tô andano
boa! Oh Deus!


16

A Srª Maria ao começar a falar sobre o assunto demonstrou uma relativa empolgação,
inclusive relatou algumas situações em que na sua concepção faz menção aos cultos afrobrasileiros,
mas que diz respeito a elementos integrantes da cultura portuguesa e presentes entre os
habitantes do Recôncavo como: a construção do presépio, a confecção de fogueiras. Contudo, a
oferta do caruru de São Cosme e Damião, seguido do “recebimento” do santo é marca atuante da
cultura afro-brasileira. Tal descrição nos remete a perceber um misto de práticas existentes também
no catolicismo popular e que, por sua vez, trás elementos dessas concepções culturais negras, a
saber, do festejar do santo seguido da incorporação dos espíritos na própria festa.
Para muitos, a categoria de rezadeira está associada a um grupo de mulheres idosas e
católicas
17, o que serve para justificar a cautela de algumas pessoas em assumir seu vínculo com o
Candomblé – por exemplo. É inegável que a projeção que a sociedade faz dos indivíduos, exerce
influência em diversos momentos da vida. Contudo, é válido ressaltar que outras imagens acerca
das rezadeiras também se faz presente na sociedade, esta se refere a rezadeira que reconhece a
influência de outras origens da benzeção, ressaltando a participação das tradições africanas no
processo.

Rezo de tudo minha fiá, com os poderes de Deus! Meu corpo ta doente, mas minha
mente não! Tenho amigo do Candomblé, mas não sou do Candomblé! Sou católica,
acredito nas forças da Virgem Maria. A gente tem que escolher um caminho só!

18
A fala deixa transparecer uma ligeira recusa da rezadeira Celininha a manter relações de
aproximações com a cultura afro.
Assim, no contexto das benzeções definir até que ponto o culto aos santos gêmeos trazem
elementos do mundo afro-brasileiro ou do catolicismo popular é uma empreitada difícil de se
resolver, contudo dentro desse universo é possível identificar elementos presentes nessas duas
tendências culturais. Ora a rezadeira tida como católica recorre a uma médium – denominação mais
amena, para muitas depoentes, que curandeira – ora freqüenta assiduamente as igrejas católicas.
Não é objetivo do artigo pensar a identidade das rezadeiras de forma determinista ou
isolada, mas trazer a tona determinados elementos do cotidiano dessas rezadeiras para que só assim
possamos ter uma ligeira projeção de sua vida. Entendo que pelo fato de determinada rezadeira se
declarar pertencente à religião Católica, isso não a impossibilita de participar dos cultos afrobrasileiros,
da mesma maneira que uma adepta do Candomblé pode sim se auto-declarar católica e
mesmo assim fazer parte desses espaços diversos, até porque o objetivo primeiro das religiões de
matriz africana é incluir e não, segregar
24.
Quando pontuo a crença das rezadeiras no catolicismo popular e a existência de outras que
mantêm relações com os cultos afro-brasileiros, acredito ser memorável e importante essa fluidez
no processo, pois é através dessas flexibilidades culturais que pode haver a formação de culturas
híbridas, ricas em detalhes e singularidades.
Assim, pensar no
“ser rezadeira” requer que consideremos um emaranhado de
interpretações, pois diz respeito a formação individual dessas mulheres, sobretudo construída de
forma endêmica. Falar em rezadeiras é levar em consideração a expressividade de suas práticas
culturais, atentando para a contribuição significativa de conservação da benzedura por diversas
gerações, não esquecendo as diversas estratégias que ainda hoje asseguram a esfera de poder
ocupada dessas mulheres em suas comunidades.

FONTE ; www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST29/Alaize_dos_Santos_Conceicao_29.pdf

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