terça-feira, 7 de agosto de 2012

BENZEDEIRAS SEGUNDO A UFMT

Os Benzedeiros de Joselândia
  • Camila Tardin
  • Quem nunca recorreu a uma planta medicinal para tratar de algum problema de saúde? No distrito de São Pedro de Joselândia, localizado ao sul do município de Barão de Melgaço, esse tipo de prática é bastante comum. Os moradores procuram os benzedores que usam diversas espécies de vegetais, sendo a maioria nativa do Pantanal Mato-grossense, tais como aroeira e para-tudo, para curar doenças como tosse, anemia, gastrite, verminose, entre outras. Desde a ocupação da região, há mais de 100 anos, a tradição de benzer usando plantas medicinais é transmitida a cada geração. A vontade de interpretar e descrever esse método de cura, assim como identificar os benzedores e conhecer os elementos materiais e espirituais existentes nesse processo motivaram o médico Reinaldo Gaspar da Mota, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a estudar o costume.
    Por viverem numa região de difícil acesso aos serviços de saúde, as comunidades Retiro de São Bento, São Pedro, Pimenteira, entre outras pertencentes ao distrito de São Pedro de Joselândia, aprenderam a se virar para ajudar os moradores. Desenvolveram técnicas de cura a partir dos conhecimentos culturais herdados dos pais, avós, tataravós. Alguns dos fatores que contribuíram para a permanência dessas práticas ao longo dos anos foram a predominante religiosidade católica, o difícil acesso aos serviços de saúde e a abundante oferta dos recursos naturais pela rica biodiversidade pantaneira.
    Na região foram identificados 23 benzedores, mas apenas 12 fizeram parte da pesquisa: seis mulheres e seis homens com idade média de 70 anos. Nas comunidades, a prática de cura com plantas medicinais começa na juventude – a maioria com idade a partir dos 24 anos. Isso não é uma regra, depende da história de vida do benzedor. No entanto, não há registro de crianças que começaram a exercer esse costume na infância. No estudo foi identificado que essa prática de cura se estende, em média, por 46 anos de vida do benzedor. As mulheres ficam em casa e também ajudam nos trabalhos da roça e os homens trabalham no campo para a subsistência.
    Além de usar as plantas medicinais, os benzedores fazem orações, denominadas “benzeções”, influenciados pelo catolicismo popular. A maioria das pessoas que vive na região é devota de São Pedro (pescador e discípulo de Jesus).

    Doenças

    Os benzedores classificam as doenças em duas principais categorias: as doenças de causas materiais e as de causas espirituais, estando ambas intimamente relacionadas. Para eles, os problemas espirituais podem gerar doenças orgânicas, psíquicas e sócio-ambientais. Acreditam também que as doenças espirituais que se manifestam na alma do ser humano podem trazer consequências para o corpo. É por meio das orações que eles buscam auxiliar o enfermo a solucionar as doenças de origem espiritual.
    “Eles oram, rezam, às vezes contam uma história mítica ancorada nesses mitos de São Pedro, de Jesus, de acordo com a necessidade do paciente. A reza tem alguns ritos: a pessoa fica de pé em frente ao benzedor que faz a reza, a oração. Em alguns procedimentos ele mede algumas partes do corpo do enfermo para ver se tem determinado tipo de problema, como arca caída. Mas, geralmente, os benzedores rezam em voz baixa, com muita concentração, muito respeito. De fato, eles acreditam que isso é muito significativo para o processo de restabelecimento do doente”, explica Mota.
    Das plantas são aproveitadas a casca, caule, folha, flor, fruto, raiz e semente que podem ser usadas, por exemplo, para fazer chá, garrafada ou emplasto. Além da aroeira e para-tudo, outras espécies vegetais popularmente conhecidas e muito usadas são a jatobá, indicada para quem tem gripe, tosse, dores no peito e nas costas, e a espinheiro santo, ideal para tratar problemas digestivos, dor de cabeça e gripe.O trabalho não tinha como finalidade provar cientificamente as práticas de cura e seus efeitos, mas sim conhecer através da etnografia (método científico empregado na antropologia) o uso de plantas medicinais e suas indicações. O pesquisador desvela os conceitos ampliados destes benzedores sobre as causas das doenças e seus processos de cura. Para os benzedores, que exercem socialmente o papel de sacerdotes, muitas doenças são oriundas de relações inadequadas entre o homem, sua sociedade, a natureza que o circunda e Deus. Espiritualmente eles reconhecem o pecado como a principal causa do adoecer e, geralmente, utilizam as rezas e benzeções para restabelecer uma relação harmoniosa.
    A pesquisa concluiu que para os benzedores a imagem mítica tem grande importância no restabelecimento da saúde, uma vez que ancora padrões de comportamentos sociais aceitáveis pelas comunidades. “É muito interessante a cosmovisão que eles têm sobre Deus. Deus, para eles, é um todo. É o criador de tudo e a natureza é parte de Deus. Eles preconizam o convívio respeitoso e gratificam suas dádivas nos festejos tradicionais”, observa Mota. Os resultados demonstram também que os benzedores de São Pedro de Joselândia valorizam o que têm de mais próximo: os recursos naturais e as concepções religiosas e culturais presentes nas comunidades.

  • FONTE; www.ufmt.br

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