terça-feira, 6 de novembro de 2012

PAGÃO PORTUGUES CRITICA WICCA

Wicca - Uma Crítica



Olá! Começo por avisar que este post tem potencial para se tornar polémico devido aos conteúdos que estão abaixo. Essencialmente vou rever literalmente as crenças wiccans e vou varrer os pontos bons e os pontos menos bons, dando sugestões do que na MINHA opinião devia ser alterado e no que devia ser deixado estar como está, sempre com fundamentações.
Porquê? Apesar de não ser wiccan, continuo a ter grande respeito pela dita tradição e acho que ultimamente tem vindo a sofrer considerável escárnio, entre Neopagãos e Reconstrucionistas, e gostava de poder fazer algo sobre isso. De certa forma vou estar a atirar madeira e água para o fogo.

Algo que é frequentemente atacado na Wicca são as crenças quanto ao divino desta fé. Como já devem saber, a Wicca venera um Deus e uma Deusa, e presta respeito (uso este termo na ausência de um melhor) aos quatro Elementos. Longe de poder ser classificada como uma crença do género hard polytheism, creio que existem demasiadas falhas na forma como se lida com este sistema, tanto os insiders como os outsiders. Primeiro há que definir as entidades que os Wiccans veneram.
De uma forma algo simplista, quando comparada com a maioria dos sistemas teológicos da Antiguidade, a Wicca atribui ao cosmos uma natureza dualista, que se traduz num Deus e numa Deusa, cada um uma personificação e origem de um "elemento" do mundo e Universo.
A Deusa tem variadíssimas associações, que estão ora ligadas ao mundo natural (terra, água, Lua), ora aos ciclos vitalícios femininos (Dama, Mãe e Anciã), ao fluir da vida em si (renascimento) e ao "sobrenatural" (Magia), entre várias outras. Em suma, a Deusa da Wicca interliga, personifica e é vários elementos da nossa vida e sociedade, podendo tanto ser passiva como activa e dominante. Podemos dizer que tudo o que é feminino pertence à Deusa.
Também o Deus tem várias associações, que são polarizações das associações da Deusa. No mundo natural, está ligado ao ar, ao fogo, aos frutos (frutos literais, bagas, grãos, etc) e árvores e ao Sol. No que toca aos ciclos vitalícios masculinos, normalmente são reconhecidos dois principais aspectos, o de criança e o de ancião ou de Rei Carvalho ou Rei Azevinho. No que toca à vida, é tido como Senhor da vida e da morte. Tudo o que é masculino pertence ao Deus, claro.

(Não iria descrever todas as associações em detalhe, porque esse não é objectivo; só preciso do essencial para os meus argumentos seguintes.)

Ora, como é possível ler acima, a Deusa e o Deus estão longe de ter umas quantas funções específicas como no politeísmo Babilónico, por exemplo. Em vez de tal, têm várias funções e aspectos, o que reflecte a visão dualista da Wicca de divisão do cosmos em dois princípios: o masculino e o feminino. O que é visto como masculino é atribuído ao Deus, e o feminino à Deusa. Tal ausência de "especialização" remete a Wicca para ser mais correctamente classificada como uma forma de Panteísmo com vertente dualista.
Poderia ser classificada como soft polytheism caso houvesse divindades suficientes e com as características próprias para tal, mas havendo apenas duas, tal não é viável.
Neste aspecto, a Wicca está próxima do Tengriismo (Tengriism), uma fé antiga da Ásia Central, em que as únicas divindades são a Mãe Terra e o Pai Céu.


Porém, o problema com a teologia wiccan não é a sua classificação, mas sim o uso que lhe é dado verbalmente. Acho seguro afirmar que todos já ouvimos dizer que "todos as deusas são uma Deusa".
Bem, esta afirmação para mim (e muitos outros) é, com toda a honestidade, desnecessária e até um paradoxo. Se tivermos em atenção a Charge of the Goddess da autoria de Gerald Gardner, posteriormente melhorada por Doreen Valiente, podemos ler o seguinte:


"Escutai as palavras da Grande Mãe, que desde os tempos antigos foi chamada de Artemis, Astarte, Atena, Dione, Melusine, Afrodite, Cerridwen, Dana, Arianrhod e Bride e muitos outros nomes."

As falhas históricas neste simples parágrafo são várias.
Primeiramente, as Deusas mencionadas pertencem a "famílias" diferentes: umas têm origem PIE (Proto-Indo-Europeia), outras Afro-Asiática. Maluqueiras de Marija Gimbutas à parte, não há prova alguma de algum dia ter existido um culto a uma Grande Deusa que posteriormente se tenha subdividido em vários cultos a Deusas diferentes.
Depois, há o problema de atribuição de funções. Ora, se o Deus é patrono da actividade da caça (e tudo o que lhe é associado), o que estaria a Deusa a fazer num "aspecto" de Artemis, sendo que a última é associada a figuras que são do domínio do Deus? A alusão à Lua estaria correcta, mas pouco mais.
Melusine, apesar de ligada a águas, está longe de ser uma figura divina. Trata-se sim de uma entidade menor semelhante a uma sereia.
Bride, uma versão "corrompida" da gaélica Brigit, também possui funções que não correspondem às atribuídas à Deusa, nomeadamente a função celestial de Deusa da Aurora.

Os erros continuariam interminavelmente se analisássemos outros panteões e tentassemos proceder à interpretatio wiccan das suas divindades. Se a Deusa é associada à agua (podendo esta ser vista como um género de leite materno para os seres vivos), quer dizer que podemos assimilar-lhe Khnum, Deus da fonte do Nilo? Não.
Ou sendo a Deusa vista como a terra (à la Gaia), podemos dizer que esta pode ter um aspecto de Geb, Deus da terra? Não.
Não só seria bizarro ter um panteão povoado de trannies divinos, como também seria blasfémia não só para a Deusa wiccan mas também para os ditos Deuses.
Tal como a interpretatio romana arruinou o consideráveis esperanças de entender os Deuses e Deusas da Gália e Britânia, também a interpretatio wiccan pode arruinar a reputação da Wicca em si, como também ofender mortais e imortais.


A Wicca não é apenas uma religião, é uma cultura (tal como os politeísmos antigos)! E como cultura que é, tem visões específicas relativamente ao mundo. Assim sendo, não há necessidade de "roubar" a outras culturas, o que seria sinal de insuficiência própria.
Sendo dotada de um Deus e uma Deusa com uma multitude de capacidades - daí o panteísmo - é perfeitamente capaz de ter uma teologia própria que englobe os mesmos aspectos que as das outras culturas, na sua forma original. A Wicca tem potencial!


Seguidamente, falo dos problemas relativos aos Elementos.
As concepções relativas a estes seres/princípios, varia consideravelmente dentro da Wicca, mas a origem da crença nestes advém da filosofia Platónica. Ora sejam vistos como literais ou apenas simbólicos, são tidos como representações das fases da matéria.
A origem dos 4 típicos elementos - terra, ar, fogo e água - pode ser vista como um fruto da reprodução do Deus e da Deusa (digo isto tendo em conta uma concepção semelhante de Robert Cohchrane), já que os últimos já possuíam as características dos Elementos. Ao contrário dos pais (?) não são divinos, mas talvez possam ser classificados como semi-Deuses, ou espíritos apenas.
Independentemente da sua natureza, são evocados (idealmente) em qualquer rito e têm grande papel em purificações, feitiços, e no manter da estabilidade do Círculo Sagrado.

Tudo isto está muito bem só assim, não há qualquer conflito com a teologia da Wicca, nem com a visão cósmica de polarização de princípios.
Um dos problemas mais graves não advém de nada acima referido, mas sim do tratamento que alguns wiccans lhes dão. Nos vários textos que li e vídeos a que assisti, deparei-me com um comportamento chocante que não pensava existir. Li/vi wiccans a ordenarem os Elementos a aparecerem ou a irem embora.
Peço desculpa se soar "supersticioso", mas se eu como Reconstrucionista Gaulês fizesse isso a um espírito seria automaticamente ignorado ou amaldiçoado! Comandar uma entidade superior é rude e é visto nas práticas judaico-cristãs de magia cerimonial. Portanto se alguns wiccans querem de facto distanciar-se da magia judaico-cristã, seria bom se começassem por serem bem educados para com os seres que os ajudam nas suas práticas. Aviso que isto não é prática geral, a maioria do que li/assisti insistia em tratar os Elementos com respeito e reverência.


Embora o seguinte não seja bem um problema, mas sim uma curiosidade.
Gerald Gardner começou (ou o mítico antecedente da Wicca) a prática de associar cada um dos quatro Elementos a um ponto cardeal e diz-se que para tal teve em consideração a geografia da zona em que vivia:
  • Terra a Norte, porque é nessa direcção que o resto da Grã-Bretanha se estende.
  • Ar a Este, porque... não sei.
  • Fogo a Sul, por ser mais quente (?).
  • Água a Oeste, por causa do Atlântico ou do Mar Irlandês.
Ora se Gardner o fez pensando na geografia da terra onde vivia, deveriam os wiccans de outros países ou regiões fazer o mesmo? Certamente que seria apropriado para estar mais de acordo com as propriedades da zona, o que, afinal, é o objectivo da Wicca (comunhão com a Natureza, aka Deus e Deusa).
Imaginando que ainda sou wiccan, pensei um pouco e ocorreu-me a seguinte padronização de Elementos e pontos cardeais de acordo com geografia portuguesa:
  • Terra a Este (resto da Península Ibérica).
  • Ar a Norte (porque foi o que restou).
  • Fogo a Sul (Algarve, África do Norte e Saara = hot!).
  • Água a Oeste (oceano Atlântico).


Por creio que devo abordar a herança histórica da Wicca, que também pode ser chamada, talvez mais correctamente, as fontes que levaram à sua origem e versão definitiva (Wicca Gardneriana após a intervenção de Doreen Valiente).
É sabido que a Wicca deriva grande parte das suas tradições das práticas de Magia Cerimonial judaico-cristãs e nas sucessivas ordens esotéricas que as praticavam, entre as quais a Ordem Rosacruciana , a Golden Dawn e Thelema. Os três graus de iniciação foram "emprestados" pela Maçonaria.
Porém não nos podemos esquecer que por detrás da moldura cultural mais judaico-cristã existem inerentes sobrevivências dos antigos Politeísmos, pois o Judaísmo é uma anomalia da religião antiga de Canaã e o Cristianismo é uma anomalia do Judaísmo (um autêntico culto) que se apropriou de vários elementos das fés nativas às regiões onde se instalou.
E isso leva-nos à Grã-Bretanha, onde as tradições Celtas Gaélicas viveram lado a lado com as Anglo-Saxónicas. E é nesta mescla de três culturas que encontramos a raiz das práticas religiosas wiccans.
O uso do Círculo Sagrado, ferramentas mágicas, evocações de Elementos, e afins, são práticas herdadas da Magia Cerimonial. Se um wiccan abrisse um dos livros de John Dee ou o Clavis Salomonis, certamente reconheceria várias práticas.
Por outro lado, na parte "festiva" da Wicca, deparamos-nos com a herança politeísta Gaélica (Irlanda) e Anglo-Saxónica.
Sim, disse Gaélica e não Galesa/Britânica pois a Gardner ignorou as festividades Galesas pois estas não apresentavam conexões pagãs suficientes quando comparadas com os paralelos Gaélicos que mantinham ricas associações ao passado pré-Cristão. Quatro sãos os festivais que foram "herdados" desse lado: Samhain, Imbolc, Beltaine e Lughnasadh.
Porém deve ser salientado que apenas o "outline" das práticas autênticas Gaélicas foram preservadas, pois Gardner e as sucessivas gerações Wiccans deram-lhes significados e tradições próprias, se bem que com laivos das originais. Nada explica melhor tal adulteração (e é mesmo, escusam de ficar ofendidos) de conteúdos do que a narrativa das "vidas" do Deus e da Deusa. O Deus morre em Samhain e a Deusa parte para a Terra do Verão para o procurar. Em Imbolc marca a infância do Deus, mas é mais dedicado à Deusa. Em Beltaine dá-se a impregnação da Deusa. E em Lughnasadh celebram-se as colheitas, que podem ser encaradas como simbólicas da plena maturidade do Deus.
No Beltaine Wiccan, ainda, a celebração do Grande Rito não tem qualquer antecedente Gaélico, mas o acender de fogueiras corresponde à tradição Gaélica da época, enquanto que a dança à volta do Maypole foi herdada das práticas Anglo-Saxónicas/Germânicas.
As celebrações Gaélicas (assim como as equivalentes nas restantes culturas Celtas) NADA tinham a ver com os conceitos acima referidos, especialmente devido à ausência de uma teologia panteísta.
As restantes três festividades - Yule, Ostara e Litha - são de origem Anglo-Saxónica e as suas adaptações wiccans são mais fiéis do que nos casos anteriores. No Yule wiccan, celbra-se do (re)nascer do Deus, quer por aproximação à celebração romana de Sol Invictvs ou então ao nascimento do nazareno. De qualquer forma, queima-se o tronco do Yule mas sem qualquer menção à Caçada Selvagem de Odin e às 12 noites desta festividade no seu contexto autêntico. Em Ostara, omite-se a algo hipotética celebração da Deusa germânica da Aurora Eostre; porém, mantém-se a celebração do equinócio e da Primavera em si. Por fim, em Litha, mantiveram-se os motivos solares que aparecem em algumas celebrações europeias.
Resta o Equinócio de Outono, conhecido na Wicca como Mabon, não pega em qualquer temática pagã conhecida, sendo apenas um sabbat dedicado às colheitas e com especial atenção dada à Deusa como provedora das ditas cujas.


O problema não são as novas interpretações, mas sim as tentativas de as passar como práticas autênticas datadas da Antiguidade. Sei muito bem que os nomes das celebrações não irão mudar, mas ao menos seria bom que as origens das celebrações e práticas ficassem cientes de uma vez por todas. Há demasiada falta de informação. Quantas vezes já me vieram dizer que a Wicca é Celta ou dos tempos anteriores à Idade do Bronze? Demasiadas para me dignar a contar.

Enfim, o problema não é a Wicca em si, mas sim o que alguns fazem dela.





E pronto, terminei. Fui frontal e objectivo. Novamente aviso que não é meu objectivo ofender ninguém, mas sim fazer críticas construtivas e estabelecer a minha opinião.

FONTE: www.clareiraoculta.blogspot.com.br