quinta-feira, 30 de maio de 2013

ENTREVISTA COM BRUXO IBÉRICO

F.Silva - Qual Seu nome Social?

Raven - Meu nome civil é Everson Romero

F.Silva - Qual nome pagão?

Raven - O nome pelo qual sou conhecido na comunidade Pagã e Bruxa é Raven Luques McMorrigú. Raven evoca o animal totêmico da Mãe de meu Clã, que é o Corvo. Luques é o nome do Clã galego-celta do qual descendo, através de minha bisavó, Dolores Luques, sevillana de raiz galega. E McMorrigú evoca a condição de descendente da Soberana Rainha dos Corvos de Batalha, que junto a Lugo, forma o Casal de Deuses honrados na tribo celta galega da qual descendo.

F.Silva - Idade?

Raven - Trinta e um no registro, e variável a depender do rumo que meu Espírito tomar....

F.Silva - O que você faz da Vida e para a Sociedade Comum?

Raven - Sou Arteiro. É como me defino: sou costureiro, feiticeiro ( faço poções por encomenda ), perfumista ( faço perfumes artesanais, óleos ritualísticos e de massagem, entre outros ), tarólogo, quiromante, cafeomante, oniromante ( interpreto sonhos ), artista plástico ( pinto ícones, que são quadros representando Deuses e Santos, e também faço vassouras típicas de Bruxas, etc ), já ministrei cursos sobre noções básicas de Bruxaria e Feitiçaria, e por aí vai... sou Artista e Feiticeiro, ou seja: Arteiro! ;)
No mais, sou um cidadão consciente de meus deveres e direitos, trabalho, pago impostos, voto, contribuo para o crescimento de minha Família, de meu Clã, de minha cidade, de meu estado, de minha Nação. Trabalho localmente e penso globalmente.

F.Silva - Como foi a sua infância?

Raven - Como nascido e habitante de uma cidade interiorana, foi uma infância bem legal, com muita brincadeira, passeios em áreas verdes. Foi bem lúdica, ao contrário do que vemos hoje em dia: crianças já nascem com modem. Eu cheguei a subir em árvores, a brincar em meio à Natureza, convivi com animais e plantas, desenhei muito, pintei e bordei, e comecei cedo a ser treinado na Arte. Com 10 anos, já lia Tarot e estudava Mitologia e Magia. Bruxos de minha linhagem se desenvolvem desde muito jovens.


F.Silva - Hoje você se considera um adulto, e que tipo de adulto você seria?

Raven - Na cultura de meu povo, já se é considerado adulto desde os 13 anos. Um rito de passagem demarca isso. Comigo foi assim. Depois, aos 18 recebi a primeira Iniciação, e aos 23, a segunda. Não sei se há tipos diferentes de adultos. Há tipos diferentes de pessoas. Quem me conhece pode falar a meu respeito. Me considero uma pessoa tranqüila e do bem. Cuido de mim e dos meus, não invado o espaço do outro, e exijo que respeitem o meu espaço. Até porque, quem o invade, acaba descobrindo que posso ser tranqüilo e do bem, mas quando preciso defender a mim e aos meus, viro no CÃO bonitinho, e com uma eficiência a toda prova... ;)
É a velha história: respeito o calo dos outros, e quero que respeitem os meus. No geral, sou tolerante, amigável e cortês. Mas sei também deixar CLARO quando não gosto de algo ( como todo ibérico, aliás, rsrsrsrs ).


F.Silva - O que é o “Paganismo Hoje” pra você?

Raven - Paganismo é um rótulo generalizado para espiritualidades ligadas aos ciclos naturais, da Terra, assim como ao Culto dos Ancestrais. Para mim, “Paganismo Hoje” é o mesmo para todos aqueles que tem olhos que vêem e não apenas olham: um conjunto de espiritualidades ligadas aos ciclos naturais e ao Culto dos Ancestrais, que em sua maioria, passaram por releituras no que toca a formas, a práticas, a rituais, seja para se adequar às legislações modernas ( em muitos países, sacrificar animais é proibido, por exemplo ), seja para se adequar a novos conceitos, que a própria sociedade moderna apresenta. Muitos dos rituais de tradições religiosas Pagãs, em sua origem, foram compostos para atender a necessidades que, hoje em dia, não mais temos. Cabe a nós, hoje, fazermos uma releitura sobre tais práticas, e ver em que sentido podemos trabalhá-las, de forma a permanecerem fazendo sentido. Além disso, devido às necessidades surgidas no Mundo moderno, novos conceitos e práticas rituais acabam surgindo, para atender a essa demanda ( afinal, estamos em evolução, tal como nossos Ancestrais assim o desejaram, em seus antigos rituais, eras atrás ). No entanto, há práticas rituais que, mesmo parecendo afazeres totalmente obsoletos, encerram em si conceitos espirituais ancestrais, que devem sim ser resgatados e/ou mantidos. Como exemplo, posso citar o ritual da Sementeira, do povo Amazighe das Ilhas Canárias, que é até hoje praticado: sacerdotes e sacerdotisas desse povo abrem sulcos na terra com arados ou bastões com chifres de cabras presos, e aram o solo, onde depositam as sementes junto com oferendas à Mãe Terra. Mais do que o simples trabalho de plantio, seguindo métodos arcaicos, tais práticas se configuram em ritos ancestrais, que renovam o Pacto desse povo com os Deuses e Espíritos da Terra e do Céu.


F.Silva - E o que você mudaria no Paganismo?

Raven - Nada. A Tradição é o que é. Mudo sim, aquilo que me cabe mudar, dentro de minha missão como Sacerdote da Tradição Ibérica, tal como a herdei: mudar aquilo de material que é necessário mudar, para se manter o conceito, a essência da Tradição em si. Isso sempre foi feito, e todo Guardião da Tradição deve estar sempre preparado para operar tais mudanças, quando necessário. No mais, o que pode ser mantido, assim o é, com zelo, amor e honra.

F.Silva - Você poderia falar um pouco sobre a Arte que você pratica?

Raven - A Bruxaria que pratico reúne aquilo que herdei de meus Ancestrais, sejam eles ibéricos, mouros, celtas, romanos, judeus, indígenas brasileiros, etc. Sou o fruto das infinitas alquimias operadas no sangue que herdei. Essa mistura é condição humana: não há povo que não seja a mescla de outros mais. Logo, todo ser humano é mestiço. Isso é antropológico, e quem nega isso, é porque não conhece de facto Bruxaria ( assim como História, Antropologia, Etnologia, etc ). Sendo assim, com a cultura humana, se dá o mesmo: culturas se fundem e se mesclam. Pratico rituais mágico-religiosos ibéricos, celtibéricos, galegos, lusitanos, mouros, e por conviver com Stregone, com Wiccans, com Xamãs, com Umbandistas, com Ciganos, entre outros, acabo aprendendo novos rituais e conceitos com eles, tanto quanto também ensino. Esse intercâmbio, essa troca, SEMPRE existiu, e é fator comum a todas as linhagens Bruxas, sejam ibéricas, italianas, britânicas, sejam bascos, celtas, indígenas brasileiros, africanos, etc. Mantenho os rituais religiosos Pagãos Ibéricos, honrando os Antigos, mas sempre estou aberto para honrar outros Deuses, de outros povos, tal como todo verdadeiro Pagão sempre o fez.


F.Silva - As suas práticas podem ser consideradas “Hedge Witch Craft” (Algo como Bruxaria Solitária com um freme mais tradicional, voltado para a Bruxaria Tradicional Britânica) ou você poderia se considerar um “Cunning Man” (Homem Sábio, curador...)?

Raven - Talvez um pouco de cada coisa, pois apesar de celebrar rituais mágico-religiosos com demais pessoas ( familiares e amigos ), meu Caminho Iniciático é pessoal, idiossincrático e intransferível. Ninguém pode gozar nem sofrer por mim, logo, é algo que trilhamos com nossos próprios pés. E como sou procurado para resolver certas questões físicas, espirituais, energéticas e emocionais através de minha Arte Feiticeira ( via benzimentos, amuletos, feitiços, poções, filtros, elixires e óleos curativos, exorcismos, etc ), também procede a comparação com os Cunning Men. Sou exactamente isso: um Bruxo, palavra portuguesa que advém do mirandês e do galego, e que por sua vez, se originou do espanhol “Brujo ( a )”, cujo significado é “Aquele ( a ) que sabe mais” ( do latim “Plusscios”: Plus/mais + Scios/ciência = “mais ciência”, “mais saber”, segundo o saudoso Julio Caro Baroja, historiador e professor de História da Universidade de Madrid, e um grande especialista em Bruxaria ). O Bruxo ( ou Brujo em castellano, ou Bruixo em catalão ) é o Cunning Man Ibérico, o Xamã dos portugueses e espanhóis. Só antropologicamente que tal termo passou a se generalizar: é por isso que existem Bruxos Italianos, Bruxos Bascos, Bruxos Britânicos, Bruxos Mouros. Tal como o termo xamã, que define o Cunning Man de tribos norte americanas ( ainda que nenhum povo norte americano chame seu Homem Sábio pelo nome “Xamã” ).

F.Silva - Você seria um Bruxo Tradicional?

Raven - Sim, como disse anteriormente: sou Bruxo, por assim ter nascido, por assim ter sido treinado e assim ter sido iniciado. Sou Bruxo, pois este é o nome dado ao Homem de Saber dos portugueses e espanhóis, povos dos quais advém meu sangue, além de demais origens étnicas que possuo ( indígena brasileira, marroquina, etc ). E sou Tradicional, pois a Bruxaria que pratico eu herdei daqueles que me iniciaram.

F.Silva - O que é Tradicionalismo ou Tradição?

Raven - Tradicionalismo é buscar um estilo tradicional. Já a Tradição é a Herança. E quem a herdou é tradicional, diferente do tradicionalista, que não herdou, mas busca um estilo tradicional.

F.Silva - O que é Bruxaria Tradicional para você?

Raven - Um conjunto de Escolas de Ofícios. Com esse termo, não me refiro a instituições voltadas ao exoterismo, com a fachada decorada como um castelo medieval de festa de aniversário infantil, mas sim de Oficinas de aprendizagem dos antigos conceitos, repassados através de simbolismos e práticas cotidianas, de cunho religioso ou não. E tais oficinas não precisam ser necessariamente sediadas em um local decorado para tal: antigos ofícios práticos, tais como os de sapateiros, alfaiates ( como no meu caso ), cozinheiros, pedreiros ( origem da Maçonaria ), domadores de cavalos, caçadores, etc, são possuidores, em muitas famílias e demais grupos, de tal herança tradicional, não só operativa, como também especulativa. Também envolve Saberes e práticas repassados apenas em linhagens familiares, com maior ou menor sincretismo com conceitos e simbolismos de religiões abraâmicas ( judaísmo, cristianismo e islamismo ), entre outros. Sendo assim, Bruxaria Tradicional não é sinônimo de “religião pagã”, ou de “religião celta”, entre outros equívocos. Ela engloba tanto crenças e práticas religiosas quanto ofícios práticos, independentes de religiosidades. Nem todos os Bruxos Tradicionais vêem a Bruxaria como religião, por vários motivos. Pra citar alguns:
a) Por serem linhagens que trabalham com a Fé Dupla, dentro de uma compreensão Luciferiana ( Bruxaria per se ), ou então por conta da prática de sincretismo ( algo presente nas mais variadas culturas, inclusive entre os povos europeus, e de forma gritante ainda ), que se mostra em linhagens Bruxas Cristo-Pagãs ( que os mais disparatados não confundam isso com “wicca cristã” );
b) Por serem linhagens que mantém a Fé que herdaram de seus pais, e sendo a mesma Fé comum ao povo, não buscam mudar de religião para lidar com a Arte, pois esta Arte lhes foi transmitida dentro do universo cultural de tal Fé. Um exemplo disso, é a Benedicária, na Itália, uma Tradição Mágica baseada em conceitos, simbolismos e práticas religiosas católicas, onde pessoas que nascem com o Dom ( tal como Bruxas e Bruxos Pagãos ) são iniciadas por Mestres ( geralmente os mais Velhos da Família ), e aprendem os significados e valores mágicos de instrumentos, tais como velas, imagens de santos, rosários, óleos bentos, assim como ervas, pedras, partes de animais, etc. São pessoas procuradas por suas comunidades para resolverem diversos problemas e curarem os mais variados males do corpo e da alma....ou seja, Bruxaria PURA ( e aqui no Brasil, encontramos correlatos entre as Benzedeiras, Rezadeiras e Curandeiros populares, que são dignos representantes da Bruxaria Tradicional Brasileira ) ;
c) Ou por se tratar de linhas tradicionais que ensinam que não há necessidade alguma de se praticar alguma religião ( do latim, “religare”: ligar novamente ), pois os Bruxos de tais vertentes entendem que nunca se desligaram das Forças Primordiais, representadas na Natureza. Logo, não vêem sentido algum em ter de se re-ligar com tais Forças, com os Deuses, enfim, pouco importando como se vai chamar tal conceito.
O que fica claro é: Bruxaria Tradicional define INÚMERAS formas de prática, inúmeros conjuntos de conceitos, de saberes. Tanto pode estar associada a cultos religiosos pagãos ( celtas, ibéricos, romanos, gregos, nórdicos, etc ) ou cristãos, ou muçulmanos, entre outros, ou mesmo não estar ligada a nenhuma crença religiosa.

F.Silva - As Pessoas na sua Família praticam a Bruxaria em conjunto com você ou separadamente?

Raven - Nem todos os que nascem em uma Família de Bruxos são Bruxos Iniciados, nem possuem o Dom desperto na mesma proporção. Somente aqueles que são iniciados na Tradição Familiar é que tomam conhecimento do Saber Ancestral. Logo, nem todos de minha Família são praticantes de Bruxaria. Mas há tradições sincréticas, tais como danças rituais em louvor a determinados santos ( associados a antigos Deuses de nossos Ancestrais Ibéricos ) e demais ritos e orações, que são de usança geral do lado lusitano e luso-descendente de minha Família. Portanto, há ritos que celebro solitariamente, assim como outros apenas na presença de certas pessoas, e outros mais ainda diante de toda família e/ou publicamente. Há costumes que são heranças do Povo né...

F.Silva - Qual o grau de importância tem os Antepassados na sua família ou pra você?

Raven - Total, pois o Culto aos Mortos é a base das mais antigas formas de Bruxaria ( assim como das mais antigas crenças e práticas religiosas ). Nós somos a prova de que nossos Ancestrais venceram: somos a continuação deles. Se estamos vivos, é porque todo o esforço e luta deles, para garantir a própria sobrevivência e a sobrevivência de seus filhos, foi alcançado. Os Ancestrais nos legaram o Saber e o Dom através do sangue. Nosso sangue é o Domicílio deles, tal como eu cito em meu vídeo “Terra e Sangue – Raízes da Bruxaria Tradicional”. Enquanto vivermos, eles também viverão, tanto quanto nós seremos eternos através de nossa descendência. Os Ancestrais são os maiores interessados em nosso sucesso, pois somos nós, seus descendentes, que mantemos o seu culto. Nossa Vitória é a Vitória deles. E assim sendo, nossos descendentes se reportarão a nós da mesma maneira. Somos os Ancestrais de amanhã.


F.Silva - Você acredita em todas as pessoas que se dizem tradicionais ou tradicionalistas no Brasil? Ex.: Marcia Frazão (Cito Marcia Frazão por ser um exemplo de Bruxa dita Hereditária pública) ou você acha que os tais reais Bruxos Tradicionais se mantém no anonimato por acreditarem que não há necessidade de exposição?

Raven - Não discuto pessoas. Discuto idéias. Cada um sabe de si, e a coerência de cada um com aquilo que evoca e arroga a si, falará através de atitudes, de discursos, enfim. O fruto fala da árvore, inclusive por possuir, em sua semente, todo o DNA dela. Quando menciono Bruxos Tradicionais, me refiro àqueles que de facto herdaram a Tradição em Casa, ou em sua peregrinação pelo Mundo... mas que a herdaram! Exclui-se desse meio, evidentemente, aqueles que se dizem tradicionais, que chegam inclusive a fazer sites e listas de discussão, a lançar livros, a querer arregimentar pessoas em grupos, em associações, conselhos, federações e coisas do gênero... até supostas “igrejas de bruxaria” andam fundando, com a pretensão de arregimentar todas as denominações de Wiccans e Bruxos... mas daí, você dá uma mirada nas propostas de tais grupos e/ou tem uns 5 minutos de prosa com tais indivíduos ( ou até menos que isso ), e acabamos percebendo que tem alguma coisa errada ( ou como diz um amigo meu: fizeram fora da casinha...rsrsrs :p ). Enfim, charlatanismo sempre existiu, e em todos os meios, em todas as profissões, em todas as religiões...
Cada Bruxo Tradicional sabe de si. Portanto, haverão aqueles que querem ficar no anonimato, assim como haverão aqueles que não vêem problema algum em se expor. Até porque, há várias linhagens de Bruxos Tradicionais que se expõem publicamente, o que não quer dizer que abrem os seus Mistérios a todo Mundo. Uma coisa é Mistério; outra é segredo. E Mistério é para ser vivido intimamente, internamente, pessoalmente, pouco importando se tal vivência se dará em rituais públicos ou privados ( os antigos Cultos de Mistérios Pagãos, que são raízes de muitas linhagens Bruxas Tradicionais, são um ótimo exemplo ). Outros três exemplos, contemporâneos a nós, de Tradições Mágico-Religiosas de Mistério, que se configuram em Bruxaria Tradicional, são: o Candomblé, a Magia Cigana e a Benedicária.
Candomblecistas mantém uma Tradição familiar, repassada de geração a geração ( mesmo quem ingressa em tal caminho, oriundo de outras culturas, é aceito e feito filho da casa – mas isso é melhor compreendido por aqueles que de facto re-conhecem tais Mistérios ). E assim, a Tradição é repassada, no interior da camarinha, no coração do Barracão...
Entre os ciganos, encontramos também uma Tradição Bruxa, onde o Dom é legado às novas gerações, juntamente com os fundamentos, costumes e valores desse povo... e eis que a Tradição é repassada no interior da Tsara... e isso é, também, assunto de quem é de dentro...
Na Benedicária ( sobre a qual falei anteriormente ), a Magia é repassada dentro do Clã. E as práticas de benzimento dos Magos de tais linhagens italianas são feitas diante de todos: mas as palavras de poder, que são um dos Domicílios do Mistério central de sua Tradição, são pronunciadas baixinho, sussurradas, quase inaudíveis... nós aqui no Brasil BEM conhecemos isso, através das Benzedeiras, Rezadeiras e Rezadores de nosso Povo. Eles não oficiam seus ritos às escondidas, nem escondem sua condição de praticantes desse Ofício Mágico-Religioso. O que não quer dizer que abrem TUDO o que herdaram a todos! No caso dos praticantes da Benedicária, na Itália, o rito de Iniciação deles é feito à parte, longe dos olhos e/ou dos ouvidos dos de fora. É quando os mais velhos ensinam os benzimentos, as palavras de poder, assim como as curas tradicionais de sua Família, aos mais novos. Isso geralmente é feito na Noite de Natal ( o Portal Solsticial de Inverno, para que o novo Mago renasça junto com o Sol ).
Igualmente, Bruxos hereditários ( dentro de um contexto europeu e euro-descendente, mas também aplicável a demais casos – antropologicamente falando – já citados por mim ) são herdeiros da Tradição ( o significado de “Traditio” torna isso uma óbvia redundância ), repassada também de uma geração a outra, no limiar entre os Mundos, evocado aos pés do Larário, ou ao redor da fogueira, que arde no centro da Encruzilhada, etc ( mais uma vez, quem conhece os Mistérios, dispensa explanações sobre ). Assim tem sido, pelos milênios afora, independente da crença ou descrença dos de fora.
Sendo assim, haverão Bruxos Tradicionais que pertencem a um meio cultural onde sua condição é conhecida e receberá tratamentos dos mais variados: da adoração ao repúdio, do medo à curiosidade, do desprezo ao respeito e valor, etc. Tanto quanto haverão Bruxos Tradicionais mais discretos, silenciosos, ou até mesmo completamente desconhecidos, escondidos e isolados de tudo e de todos... É vasto esse leque, como pode ver. Mas, ainda assim, quem já não ouviu falar ou mesmo viu um Babalawô, ou um Babalorixá ou uma Yalorixá do Candomblé? Muitos podem dizer que convivem com tais pessoas, e mesmo já participaram de rituais abertos de suas Casas. O que não quer dizer que podem afirmar que sabem TUDO o que envolve a Tradição mantida por tais sacerdotes e sacerdotisas! O mesmo vale no que toca aos Kakus e Shuvanis ( Bruxos e Bruxas Ciganos ), assim como em relação aos praticantes da Benedicária, e demais Rezadores e Benzedeiras.
E aproveitando que você já citou o nome dela, tenho a dizer que respeito e gosto muito do trabalho da Márcia Frazão, os primeiros livros da Arte Bruxa que eu li foram os dela, e os recomendo a todos os interessados em descobrir mais sobre si e sobre a Bruxaria. Márcia é uma autora fantástica, e Bruxa como poucas...

F.Silva - Existe preconceito entre Classes “Pagãs”? Comutatividade ou mesmo rixas infantis entre eles?

Raven - Tal como disse anteriormente sobre Bruxos Tradicionais, retomo aqui em relação ao Paganismo: os Pagãos de facto são reconhecidos por suas atitudes e discursos. É assim que se separa o joio do trigo. E charlatanismo, infelizmente, é algo comum em todas as religiões e meios sociais...

F. Silva - Você sofreu ou sofre algum tipo de preconceito com relação a sua fé?

Raven - Acho que não há ser humano que não tenha passado por isso, pois preconceito é uma humanice: portanto, é algo próprio do bicho-homem, pouco importando se ele usa um crucifixo ou um pentagrama pendurado no pescoço. Quantos católicos já não se sentiram hostilizados por evangélicos? E vice-versa? Quantos umbandistas já não foram hostilizados por kardecistas? E os muçulmanos então? Por pessoas de todas as religiões assim como pelos sem-religião, são impiedosa e injustamente taxados de “terroristas”, como se elas mesmas, ao fazerem isso em relação aos muçulmanos em geral, não estivessem, com esse ato preconceituoso, praticando um terrorismo!
Já fui discriminado sim por ser Bruxo e Pagão, seja às escondidas ou mesmo na cara dura. E não só por evangélicos ou católicos, como também por kardecistas, exoteristas, ateus ( por paradoxal que possa parecer, pois os verdadeiros ateus não se incomodam nem um pouco com a crença religiosa alheia, mas enfim né ), e mesmo por quem se apresenta como pagão, bruxo e wiccan! E CLARO, que respondi à altura, exigindo respeito, e deixando claro que acesso SIM a Justiça se necessário for! Esse auto-respeito é essencial a todos, pois ter um pré-conceito sobre as pessoas e sobre as coisas no geral, é algo próprio do ser humano; todos nós temos pré-conceitos, ou seja: achamos que alguma coisa ou alguém é X, e quando de facto tomamos conhecimento de tal realidade ( ou seja, estabelecemos um conceito formado, e não mais um pré-conceito ), descobrimos que, na verdade, é Y ou Z; E tais conceitos pré-concebidos e errôneos em relação a nós ( inclusive quando são ofensivos ) são coisas que sempre vão existir, e só serão resolvidas com muito diálogo e auto-respeito: quem se dá ao respeito, quem sabe o valor que tem, e mais que isso, se respeita, já está dando GRANDES passos rumo a acabar com tal engodo.

F. Silva - Bruxas Tradicionais tem fé?

Raven - Rastreando etimologicamente, Fé advém de “fides”, no latim, origem da palavra “fidelidade”. Ser fiel a alguma coisa ou alguém é próprio do ser humano: novamente, é algo antropológico. Sendo Homo sapiens sapiens, as Bruxas Tradicionais possuem fé, sim.

F. Silva - O que seria Fé pra você?

Raven - Ainda na definição etimológica, posso dizer que é bem isso: ser fiel a alguma coisa ou alguém. E somos fiéis àquilo e àqueles que de facto conhecemos e sabemos quem e o que são. Eu tenho Fé na minha dermatologista, por exemplo, pois ela se mostrou sagaz profissional, além de possuir uma competência humana fantástica. Eu tenho Fé nos meus amigos, pois de amigo não chamo a qualquer um, mas sim àquelas pessoas especiais, seletas e preciosas, que me amam e me respeitam por quem e pelo quê eu sou, que compartilham comigo alegrias, tristezas, dificuldades, vitórias, idéias, desejos, sonhos... e tenho Fé nos Deuses, por saber que Eles existem ( e “saber”, aqui, envolve seu radical etimológico latino “sapere”: saborear, experimentar ). Eu experiencio os Deuses, eu saboreio a Presença Deles, a Sua existência... logo, sou fiel a Eles, ou seja: tenho Fé Neles.


F. Silva - Com o Modismo da Wicca, podemos dizer que o Tradicionalismo ou a Bruxaria Tradicional está a salvo de ser algo popular? E isso seria bom ou ruim?

Raven - A Bruxaria É popular. Sempre foi. O Poder de um Bruxo habita naquilo que ele é e onde ele está, ou seja: no sangue que corre em suas veias e na terra que ele pisa. No seu sangue, estão os Ancestrais de sua linhagem; e na terra, estão os Ancestrais daquele solo, onde jazem os ossos dos que antes ali viveram, caçaram, plantaram, colheram, amaram, lutaram e morreram. Essa dualidade é muito comum entre nós, Bruxos de raiz européia vivendo aqui no Novo Mundo. Mas, aqueles que têm o sangue mesclado com os indígenas desta terra ( tal como eu, com todo o orgulho e honra pelos Ancestrais dessa Terra dos Abençoados, que é o verdadeiro significado – de origem celta – do nome Brasil ), podem vivenciar isso tanto de um ponto de vista quanto de outro. Os Domicílios daquilo a que se convenciona chamar Bruxaria Tradicional, são vários: Clãs de Bruxos Hereditários; Coventículos e Guildas Iniciáticas de Bruxos Tradicionais ( que originaram as sociedades secretas e semi-secretas ), muitas vezes associados a Confrarias de Mestres de Ofícios Práticos ( tal como anteriormente citei: sapateiros, pedreiros, alfaiates, domadores de cavalos, entre tantos outros ); e também, nas Tradições Populares, no Saber do Povo ( mais conhecido pelo anglicanismo “Folclore” ), através de Festas religiosas em louvor a determinados Santos Católicos ( que são, em verdade, representatividades de antigas Divindades Pagãs, através do sincretismo religioso efetuado, a priori, pela própria Igreja, em seu intuito de conquistar mais fiéis entre as fileiras Pagãs; com o crescimento do poderio político-econômico-militar da Igreja, no entanto, e com as conseqüentes perseguições religiosas, foi a vez do povo Pagão se servir do sincretismo para, em primeira instância, se manterem a salvo, bem como a sua descendência; e também para manterem a salvo os Antigos Costumes e, com isso, terem como legar a Tradição para as gerações vindouras... ).
Sendo assim, a Tradição Bruxa foi preservada e legada por inúmeros meios: Através de jogos ( e os Oráculos, tais como o Tarot, a Cartomancia com Baralho comum, entre outras Mancias efetuadas com dominós, dados, moedas, tômbola – bingo – , etc, são uma prova gritante ); Através de danças ( só entre os Lusitanos, do interior de Portugal – herdeiros de uma linhagem sanguínea e cultural anterior à invasão romana e mesmo à celta, em terras ibéricas – são incontáveis as Danças populares, de carácter apotropaico, propiciatório, que se configuram em liturgias mágico-religiosas ancestrais, repassadas de geração em geração, tais como o Vira, a Dança da Tranca, os Pauliteiros de Miranda, o Fandango, etc ); Através de brincadeiras ( tais como o pique-esconde, em que a intuição e o velho instinto caçador são enaltecidos e treinados na criança, em seu exercício de procurar seus colegas escondidos; a brincadeira do anel, em que o anel vai sendo passado aleatoriamente, de mãos em mãos, se configurando num teste de intuição oracular, que leva a criança a adivinhar nas mãos de quem está o anel; as cirandas, que são saudações ao Círculo Mágico, que é a simbologia da própria Mãe Terra, além de enfatizar o Espírito de União da Comunidade: a saudação ao Laço Sagrado de Honra, que une a Estirpe, a Tribo, e que por si era uma Divindade, tal como vemos em muitos povos antigos – e que ainda existem, mantendo suas culturas Ancestrais – tais como os Lusitanos, que veneram Bandua e Bandonga: Deidades regentes dos Laços Sagrados de Honra e de Sangue, que unem o Clã e a Tribo; entre outras tantas brincadeiras, detentoras de raízes arcaíssimas ); Através de costumes típicos das festas sazonais ( os enfeites tradicionais das aldeias nos dias de Festa, tais como os ramalhetes de giesta nas portas ou os mastros adornados com coroas de flores e fitas multicoloridas, por ocasião dos Maios – Beltane – ou as lanternas feitas com caretos: cabaças esculpidas com caretas, com velas acesas dentro e que são um costume galego e celtibérico próprio das celebrações da Noite dos Idos ou Samônios – Samhain – e que deu origem às lanternas de nabos, batatas e beterrabas feitas pelos irlandeses, escoceses e ingleses, as quais, por sua vez, originaram – via colonização – o surgimento do costume estadunidense das lanternas de abóbora de Halloween, entre tantos outros ); Através da culinária ( as Maçãs do Amor, veeeeeeeeelhooooooo feitiço amoroso, tão comum na Festa de São João: oriunda da Noite de San Xoán, de Galiza e Norte de Portugal, continuação das velhas celebrações mágico-religiosas Pagãs do Solstício de Verão Europeu, em louvor a Belenos, Deus celta e lusitano do Sol, sincretizado com São João; bem como demais quitutes, tais como o quentão, Poção de Amor nascida de outra Poção Mágica típica dos povos ibéricos: a Queimada das Bruxas, entre outros; e por aí vai, o infindável cortejo de miríades de costumes, tradições, receitas, conjuros, simpatias, feitiços, oráculos, saberes, benzimentos, orações, invocações, pratos típicos, remédios caseiros, danças, cancioneiros, lendas, procissões, brincadeiras, etc, que compõem a Herança Mágica Popular: um dos mais antigos Domicílios da Tradição Mágica, da Bruxaria em si. Logo, mais do que dizer se é algo bom ou ruim, eu digo que a popularização da Bruxaria é factual... :)
Já a banalização é ooooooutraaaaaa história, mas como já disse uma vez: a Tradição está bem guardada, por aqueles que detém as Chaves Tradicionais. E por mais que se ventile a possibilidade de tais chaves caírem em mãos de profanos, ainda assim, confio nos desígnios dos Antigos. A chave certa, por mais que esteja diante da fechadura certa, NUNCA abrirá a porta, se estiver nas mãos erradas... trata-se de porta veeeeeeelha e manhosa, que só abre com aquele jeitinho esperto, de quem conhece os mecanismos de sua fechadura... e este tipo de pessoa, não é qualquer um... ;)

2 comentários:

  1. Bruxaria tradicional de verdade nāo é essa misturada com cristianismo citada por ele
    Nossa crençã é pre cristã

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  2. Nossa? Você fala de quem? De qual grupo? O bruxo Ravem eu tive o prazer de ter conhecido e te digo uma coisa, ele rezando um terço, vale uns 100000 ditos "bruxinhos" em volta de seus caldeirões, pois o que vale mesmo no fim das contas é O DOM da pessoa, e este dom não distingue fé ou religião.

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